25/03/09

TERMODINÂMICO OU SOLAR TÉRMICO?


A polémica voltou à empresa Energie, da Póvoa de Varzim, pela segunda vez em dois anos. A empresa divulgou hoje ser detentora de um certificado de sistemas solares térmicos passado por entidades europeias, no passado dia 10 de Março, que não convence os especialistas como Oliveira Fernandes, para quem equipamentos anunciados como funcionando com sol, céu nublado, chuva e à noite “não são solares”. “Energia solar é para captar energia solar”, remata.


Na edição de hoje, o PÚBLICO dá conta do coro de protestos surgidos pela visita do primeiro-ministro e do ministro da Economia às instalações da Energie, por considerarem que a empresa faz “publicidade enganosa” a bombas de calor com recurso secundário a radiação solar, e que designa por painéis solares termodinâmicos. A ambiguidade de publicitação entre dois produtos que tecnicamente são considerados muito diferentes – colectores solares térmicos e bombas de calor - é a crítica feita à Energie, empresa presidida pelo empresário Luís Rocha, que é também presidente da Associação Comercial da Póvoa de Varzim, numa altura em que a energia solar é especialmente valorizada. Recentemente, o Governo lançou uma campanha de apoio à aquisição de colectores solares térmicos.


Em comunicado emitido hoje, a empresa responde que as “acusações são falsas” e garante possuir certificações passadas pela Solar Keymark (dinamarquesa) e pela Dincertco (alemã), consideradas entidades de topo nesta área. “Estas certificações atestam o produto da Energie como sistema solar térmico”, afirma.


Foi com esta certificação que a empresa diz ter garantido a inclusão no conjunto de empresas que podem aceder à campanha do Governo. Também a porta-voz do gabinete de Manuel Pinho se manifestou contra a notícia do PÚBLICO, afirmando que “a empresa cumpre os critérios para as empresas de colectores solares térmicos”. Escusou-se, no entanto, a comentar a ambiguidade no discurso da empresa entre os equipamentos que usa e a designação que lhes dá – tal como se vê na sua página na Internet – durante a visita dos dois governantes, marcada para promover colectores solares térmicos e não sistemas de bombas de calor. A visita assinalou a entrada em expansão da Energie que vai, segundo a própria, "duplicar a produção de 12 mil painéis solares termodinâmicos para 24 mil painéis solares termodinâmicos por ano".


O certificado apresentado hoje pela empresa é a folha de rosto de um documento onde se menciona a conformidade da unidade da Póvoa de Varzim na produção de “sistemas solares térmicos” do tipo “Eco 300esm”. As especificações da certificação não foram divulgadas.


Numa busca na Internet ao tipo de sistema referido, o PÚBLICO encontrou imagens referenciadas a uma tecnologia francesa de um reservatório termocumulador, mas não de colectores solares, mencionando-se ainda a utilização de “fluído frigorígeno”, à semelhança dos sistemas termodinâmicos da Energie.


Este não é o primeiro confronto entre a Energie e o sector, fragmentado por diversas marcas. Em Setembro de 2007, perante uma iniciativa de publicitação desta tecnologia por parte da Energie, a Sociedade Portuguesa de Energia Solar (SPES) emitiu então um comunicado, alertando que o equipamento publicitado surgia “abusiva e erroneamente” designado por colector solar, quando – acrescentava -“não é mais do que uma simples bomba de calor, visto que o suposto painel não é mais do que um evaporador.


No comunicado, a SPES notava ainda que a própria empresa, na sua página na Internet, “reconhece que os painéis solares captam de noite e do vento, deixando para a incidência do sol uma situação de apenas benefício suplementar ao equipamento mas não essencial, o que, desde logo, condena o equipamento enquanto colector solar”.


"É claro que a temperatura do ar, o vento e a chuva - tudo é comandado pelo sol. Mas é evidente que o promotor se baseia na associação à energia solar, isto é, da radiação do sol para vender as suas bombas de calor”, escreveu a SPES na altura.


O actual presidente da SPES e presidente da Endesa Portugal, Nuno Ribeiro da Silva, disse hoje ao PÚBLICO que reitera a posição assumida em 2007 pela SPES sobre os painéis termodinâmicos. Quanto ao certificado anunciado ontem, adianta que a “associação tomará uma posição quando souber do que se trata”.


A SPES é uma associação que congrega os interesses do sector, criada em 1980 e inclui entre os seus objectivos prioritários a promoção da energia solar em Portugal, “assegurando a qualidade dos equipamentos e serviços”. É também a delegação portuguesa da International Solar Energy Society.


Do ponto de vista técnico, sistemas como o da Energie são classificados fora da energia solar, por consumirem substancialmente mais energia eléctrica. Neste caso concreto, o sistema termodinâmico consome 10 vezes mais energia eléctrica do que um colector solar térmico.

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